Aquele tédio me dominava e alastrava. Os minutos nunca foram tão divagares como daquela vez. Eu fiquei um tanto quanto espantado. Não parecia com o meu mundo. Aquele em que o relógio era sempre o vencedor das corridas. Que mais se apressava. Ele parecia não fazer mais questão de passar. De se esgotar. E isso me deixava, mais entediado, é claro. Olhava para janela: aquela chuva feia, pingando gota por gota, como se acompanhasse o ritmo do tempo. A luz do pisca-pisca do carro da polícia invadia minha humilde sala, lotada de penumbras e sombras. Iluminava-me de vermelho e azul. Eu me olhava no espelho e não vida nada. Só luzes. Meu sofá branco, refletia as cores que então o pintavam. Nada era absorvido. E o tempo continuava, na sua longa jornada de correr os ponteiros. A chuva parecia já cansada de ser tão lerda. Mas não achava forças para enfurecer. Ninguém dava bola para chuva. O tempo chamava mais atenção. O rádio anunciava que o sol viria a brilhar. Mas eu não queria isso. Amanhecer? Pra que? Não queria ver meu rosto no espelho, não com a luz solar. Mas do que adiantava, o carro da policia já se ia. O tempo de patrulha deles parecia ser o mais rápido e apresado. E o meu? Meu tempo era um enorme preguiçoso, sempre indo na valsa. Foi quanto me senti ser engolido. Era o tempo que me mastigava brutalmente e o sofá que me engolia. Sentia-me digerido com a ajuda das almofadas. Eram como enzimas que aliviavam o meu tédio. E o sofá, o aumentava. Eu fui aceitando. O sofá me engolindo, o tempo valsando, as almofadas ajudando, e eu parado, na pura inércia de um ser humano. A luz do sol já podia se ver. Mas agora, não via mais meu rosto no espelho, não por falta de luzes, eu tinha sido engolido totalmente pelo meu sofá branco.
Inspirada por: ♫ Paciência – Lenine ♫