quarta-feira, 28 de julho de 2010

Enganada, mais do que aparentemente...

Uma corrida de táxi, eu sentada no banco de trás, ignorava as janelas que me mostravam o mundo fora do carro. Enquanto isso, folheava uma revista de beleza comprada minutos antes de entrar no táxi e que até então nunca havia comprado.

Pela primeira vez, passando pela banca, fui seduzida a passar mais que alguns segundos observando a capa da revista e acabei me rendendo aos encantos do belíssimo corpo, vestido em um biquíni, que a mesma exibia. Confessei para mim mesma, que era exatamente daquele jeito que gostaria de ser, e portanto, aquela revista eu aceitaria comprar. Eu a comprei. A foto era de uma linda ganhadora de um concurso de Miss. Uma beleza estonteante, que eu, se não mulher fosse, me apaixonaria – se é que assim já não estava.

Ainda dentro do táxi, ao ler a entrevista da bela da capa, descobri o que anunciavam como “Os Truques de Beleza da Miss”. Bons hábitos alimentares, malhação e dietas. Os meus olhos continuavam a passear, mergulhados por entre as letras e as fotos, nas páginas da revista. Em um dos “boxes” intitulado “Medidas de Miss”, parei, fixei, e assumi aqueles números como objetivos meus, parâmetros que agora decidiria seguir e alcançar.

Fim da corrida. Deixei o táxi e fui em direção de onde presumia resolver problemas de último prazo. Andei novamente ignorando o mundo, dessa vez, fora de mim. Resolvidos os problemas, lembrei como neste dia havia acordado com os olhos muito inchados, com suspeita de ter mais uma conjuntivite. Queria, portanto, um espelho qualquer para conferir que rosto inchado era esse que eu exibia ao andar ignorando o mundo. Porém que nos meus pensamentos, ninguém haveria de ignorar, tamanha a estranheza que poderia causar.

Foi logo no início da escada, em um canto, acompanha por um balde cheio de água turva de tanta sujeira, que encontrei uma senhora que poderia me dar essa informação, de onde achar um banheiro:

- Oi! Com licença, a senhora sabe onde tem um banheiro?

- Ah! Claro! Vou te levar até lá minha Miss!

Foram duas surpresas em uma só fala.

Normalmente, esperaria um simples dedo apontando o caminho até o banheiro, e talvez algo do tipo “à direita” ou “à esquerda”.

- Olha, minha Miss, aqui trabalham muitas pessoas o dia inteiro.

Dizia ela, apontando para os elevadores e me levando até eles. Para que segundo ela, eu pudesse ir até o segundo andar, onde ficava o melhor banheiro. A senhora incrivelmente simpática, chamou o elevador para mim, esperou que o mesmo chegasse, e me acompanhou até o banheiro.

No caminho, conforme encontrávamos seus colegas de trabalho, todos eles a cumprimentavam como “Vó” e com sorrisos bem abertos. Aquele jeito de chamá-la me soou tão bem e carinhoso que preferi não perguntar seu nome, ela era a Vó. Que vestia um uniforme cinza, encardido, tinha os cabelos bem pretos, presos, mas bagunçados. Em uma das mãos a Vó segurava uma vassoura enrolada em um pano igualmente encardido. Ela andava depressa para alguém da sua idade e com as costas tão encurvadas como as dela. Mostrava nesse mesmo jeito de andar, uma disposição a ajudar e, principalmente, a trabalhar. Limpava o que pudesse durante o caminho. Seu rosto transmitia uma alegria tão inocente. Ainda que as rugas tentassem dizer o contrário, não conseguiam.

Já no banheiro, expliquei que só precisava de um espelho, e portanto, ficamos fora das cabines em frente às pias. Ela pediu desculpas pelo o banheiro, disse que um dia já tinha sido melhor ainda, com torneiras de ouro! Quando, na realidade, o banheiro para mim estava mais do que impecável. Cheirava a limpeza. No entanto, aquela humildade e servidão me atingiram em cheio o coração. Perguntei há quanto tempo ela já trabalhava ali, ela respondeu:

- Quem trabalha é Jesus, minha querida!

Não entendi, e voltei a perguntar:

- Mas há quanto tempo a senhora trabalha aqui?

- Quem trabalha é Jesus, né, minha linda?

Percebi que não fora falta de entendimento meu e muito menos dela.

Na volta, a Vó parou em frente ao elevador que esperávamos, perguntou se eu fazia engenharia, respondi que não, que era caloura de Relações Internacionais. Expliquei o que faria cursando esta faculdade e ela começou a contar sobre seu filho, o qual havia acabado de entrar na Marinha. Contei que estava fazendo um estágio exatamente na Marinha, e tinha acabado de voltar de uma viagem com tenentes e oficiais da mesma. Papeamos um pouco, ela tocou no assunto do Uniforme “Chiquinho” que os oficiais usavam – aquele branco, lindo – e eu logo exclamei que também o achava lindo e morria de vontade de usar. Mais uma vez, ela voltou a me chamar de linda, disse que eu ficaria muito bem em um desses uniformes e encerrou dizendo que eu parecia uma Miss. Chegamos ao ponto em que eu havia a abordado pela primeira vez, me despedi, agradeci sua enorme atenção e fui embora.

Ao virar as costas para ir embora, lembrei que na primeira vez que vi aquela senhora, antes de pedir a informação, sua aparência corcunda havia me lembrado a bruxa que eu mais temia na infância, aquela da Branca de Neve e Os Setes Anões. Arrependi-me profundamente daquela lembrança. Aquela senhora, muito longe de ser uma bruxa, surpreendeu meu dia e me surpreendeu. Senti nos seus elogios uma sinceridade que há muito tempo não sentia, e ela me fez sentir bem e bonita. Ela, sem saber, me aproximou muito mais do que qualquer dieta ou academia daquela capa de revista idealizada que até então eu admirava com olhos de inferioridade.

Andei em direção a outro táxi, agora fazendo questão de não ignorar a paisagem. Porque, acabei me dando conta, de que é nela que se confundem e, muitas vezes, se apagam pessoas tão maravilhosas como aquela Vó que eu tive por aquele momento. E agora, escrevendo isso tudo, percebi como as aparências me enganaram, tanto na revista, como na vida real.

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